Alexitimia e Autismo – Minha Jornada Além das Palavras (e das Expressões)
- Neuropsicológa Aline Vicente
- 28 de mar.
- 3 min de leitura

“Por Que Você Está Sorrindo?” – Quando o Rosto Não Reflete o Que Sinto
Sou autista nível 1 de suporte e, como muitas pessoas no espectro, convivo com a alexitimia uma dificuldade em identificar, descrever e expressar emoções. Para mim, isso significa que meu rosto nem sempre "conversa" com o mundo. Já ouvi de muitas pessoas: “É angustiante falar com você, Aline. Não sei se está feliz, triste ou com raiva. Parece que você está sempre neutra”.
A verdade é que não é falta de sentimento, mas sim uma barreira neurocognitiva. Meu cérebro não traduz sensações corporais ou emoções em expressões faciais "legíveis". Isso traz desafios diários, mas também vantagens inesperadas. Hoje, quero compartilhar minha experiência para ajudar quem se identifica ou convive com alguém assim.
Alexitimia: Mais Do Que “Falta de Emoção”
A alexitimia não é exclusiva do autismo, mas é comum no espectro. No meu caso, funciona assim:
Tenho dificuldade em nomear o que sinto:
Se alguém pergunta “Como você está?”, minha resposta padrão é “Normal” “bem” não por falta de vontade de compartilhar, mas porque realmente não identifico nuances entre “ansiosa”, “esperançosa” ou “desanimada”.
Meu corpo fala, mas eu não entendo:
Já tive crises de enxaqueca por dias até perceber que estava sobrecarregada. Meu corpo sinalizava estresse, mas meu cérebro não conectava os pontos.
Expressões faciais? Uma loteria:
Em situações sociais, fico calculando mentalmente: “Devo sorrir agora? Ficar séria? Fazer cara de preocupada?”.
Certa vez, ri involuntariamente em um momento não propicio. A pessoa ficou ofendida, e eu, sem explicação.
O Lado (Inesperadamente) Positivo da Imparcialidade
Enquanto neuropsicóloga, descobri que a alexitimia traz uma vantagem profissional:
Neutralidade em avaliações:
Meu rosto não revela surpresa, julgamento ou pena durante testes ou relatos de pacientes. Isso os deixa mais confortáveis para compartilhar informações sensíveis.
Um adolescente autista me disse certa vez: “Gosto de vir aqui porque você não fica fazendo caras e bocas”.
“Mas Como Você Realmente Se Sente?” – Os Desafios na Prática
1. Na Terapia: Uma Busca Por Dicionários Internos
Uso técnicas concretas para mapear emoções:
Diário sensorial: Anoto reações físicas (ex.: “aperto no peito” ou “formigamento nas mãos”) e cruzo com situações do dia.
Vídeos de expressões faciais: Treino reconhecer emoções em filmes, pausando e tentando nomeá-las.
Mas há um limite: nunca serei tão fluente em emoções quanto uma pessoa não-alexitímica. Aceitar isso foi libertador.
2. No Trabalho: A Etiqueta Social Que Não Vem Naturalmente
Em reuniões, preciso decorar scripts:
“Concordo” = aceno com a cabeça + “Isso faz sentido”
“Discordo” = franzir a testa + “Vamos analisar outra perspectiva”
Se saio do roteiro, cometo gafes. Já me chamaram de “fria” ou “distante” – rótulos que doem, mas não representam quem sou.
Estratégias Que Me Ajudam (e Podem Ajudar Você)
Tecnologia assistiva:
Uso apps como Mood Meter para checar emoções baseada em dados fisiológicos (ex.: frequência cardíaca).
Sinais físicos de alerta:
Pulseira vermelha = estou sobrecarregada
Garrafa de água sempre cheia = lembrete para fazer pausas sensoriais
Comunicação direta:
Digo às pessoas: “Minhas expressões não refletem meus sentimentos. Se precisar saber algo, pergunte”.
Para Quem Convive Com Alguém Alexitímico: 3 Dicas
Não leve a neutralidade para o lado pessoal: Não é desinteresse.
Faça perguntas objetivas: Em vez de “Como você se sente?”, experimente “Precisa de algo agora?”.
Valide o esforço: Reconheça que tentar se expressar já é um ato de coragem.
Aline, Isso Melhora?
Não se torna fácil, mas torna-se gerenciável. Aceitei que minha maneira de sentir e expressar emoções é diferente, não errada. Ainda me perco em sorrisos inadequados e cálculos sociais, mas hoje tenho ferramentas e pessoas que me ajudam a navegar esse mundo hiperemocional com mais gentileza.
Se você se identifica, saiba: sua experiência é válida. E se você é profissional da saúde, convido você a reconhecer a alexitimia em seus pacientes autistas às vezes, por trás de um rosto neutro, há um turbilhão de descobertas esperando para ser nomeado.
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"Às vezes, silenciar as palavras é a forma mais honesta de sentir."
Aline Vicente Neuropsicóloga | Autista | Especialista em Neurodiversidade
📱 Acompanhe minhas reflexões diárias no Instagram: @neuropsicologaalinevicente
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